Movimento Mães de Maio lamenta morte de ex-delegado, pede inteligência da polícia e que periferia não pague preço
16/09/2025
(Foto: Reprodução) Polícia identifica segundo suspeito da execução do ex-delegado Ruy Ferraz Fontes
O Movimento Mães de Maio lamentou nesta terça-feira (16) a morte do ex-delegado-geral Ruy Ferraz Fontes e pediu que a periferia das cidades da Baixada Santista não pague o preço durante a busca por criminosos suspeitos de envolvimento com a execução.
Ruy, conhecido por ser um dos delegados que mais combateu o PCC, foi morto na segunda-feira (15), em Praia Grande, no litoral paulista.
O movimento foi criado após os crimes de maio de 2006, que ocorreram entre os dias 12 e 21 de maio de 2006, quando uma série de confrontos entre o PCC e forças policiais resultou, segundo o Ministério Público de São Paulo, na morte de 564 pessoas, no ferimento de outras 110 e no desaparecimento forçado de pelo menos quatro pessoas.
As investigações apontaram que, em resposta aos ataques da facção, agentes do estado teriam praticado execuções sumárias contra civis, sobretudo jovens negros e moradores da periferia.
No último dia 4, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Teodoro Silva, relator da ação que discute os crimes de maio de 2006 votou por reconhecer que os episódios configuram grave violação de direitos humanos e, por isso, não estão sujeitos à prescrição.
"A preocupação das 'Mães' também é com é sobre os policiais que estão atuando no caso, com o governo do Estado de São Paulo e o secretário de Segurança Pública para não agirem com a emoção, buscando vingança pela morte do delegado. A favela e a periferia não podem pagar o preço alto sobre o que vem acontecendo há mais de duas décadas", diz a nota do movimento.
"É o momento de trabalhar com a “inteligência”, ela não mata, pune severamente, sem disparar um tiro. Esperamos que as autoridades tenham coerência e deem suporte emocional para os agentes de segurança para que pessoas inocentes não 'paguem' com a vida, para que o derrame de sangue pare em nossa região", completou.
Pedido de prisão
A polícia já identificou e pediu à Justiça a prisão de dois suspeitos de envolvimento no ataque.
Segundo o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, os criminosos não conseguiram atear fogo em um segundo veículo utilizado no crime, um Renegade, e a Polícia Técnico-Científica conseguiu coletar material para identificação dos envolvidos.
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De acordo com Derrite, o primeirosuspeito identificado já foi preso ao menos quatro vezes, sendo duas por tráfico de drogas e duas por roubo. Durante a adolescência, ele também foi apreendido. A identidade dele não foi divulgada.
"Todos que participaram desse atentado terrorista, porque é isso que aconteceu contra o doutor Ruy, serão punidos severamente por isso", afirmou o secretário.
Ele ainda destacou a agilidade da investigação: “Quero registrar publicamente a confiança que nós temos nas instituições do estado de São Paulo, em especial no trabalho investigativo da Polícia Civil, que em poucas horas já conseguiu identificar um dos indivíduos envolvidos nesse crime bárbaro. Assim que soubermos exatamente qual foi a participação dele, vamos relatar para vocês”.
Investigações
Há pelo menos duas linhas de investigação sobre a morte do delegado Ruy.
Vingança em razão da atuação histórica de Ruy Fontes contra os chefes do PCC
Reação de criminosos contrariados pela atuação dele à frente de Secretaria de Administração da Prefeitura de Praia Grande.
Ruy tinha 64 anos e foi assassinado a tiros na tarde da segunda em Praia Grande.
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Ruy Ferraz Fontes foi executado a tiros em Praia Grande, SP
Prefeitura de Praia Grande e Reprodução
O governador Tarcísio de Freitas determinou mobilização total da polícia. “Estou estarrecido. É muita ousadia. Uma ação muito planejada, por tudo que me foi relatado”, afirmou o governador.
A SSP-SP criou uma força-tarefa integrada das polícias Civil e Militar. Ambos os departamentos contam com policiais que têm muitos informantes no crime organizado e que podem ajudar a elucidar a execução de Ruy.
O ex-delegado-geral atuou há mais de 20 anos na prisão de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e no combate ao Primeiro Comando da Capital (PCC) no estado.
Câmeras de segurança gravaram o momento em que criminosos em um carro perseguem o veículo da vítima, que bate em um ônibus. Em seguida, o grupo desembarca do automóvel e atira em Ruy (veja vídeo nesta reportagem).
Delegado Ruy Ferraz Fontes é executado a tiros em Praia Grande, SP
"Estou em choque, fui o último a falar com ele [por telefone]", disse ao g1 Marcio Christino, ex-promotor que atuou no combate à facção e seus chefes, no início dos anos 2000, com Ruy, que à época era delegado no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), na capital paulista. Atualmente, Christino é procurador de Justiça.
Christino chegou a mencionar a atuação de Ruy como delegado contra o Primeiro Comando da Capital no livro "Laços de sangue: A história secreta do PCC", que escreveu com o jornalista Claudio Tognolli. Foram mais de 40 anos como policial.
O ex-delegado-geral comandou a Polícia Civil paulista entre 2019 e 2022, quando foi indicado pelo então governador João Doria, à época no PSDB.
Ele também atuou no Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), no Departamento Estadual de Investigações contra Narcóticos (Denarc) e no Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap).
"[Ruy] foi uma das pessoas que prendeu o Marcola ao longo da história do PCC, que esteve passo a passo nesse enfrentamento ao PCC, e ser executado dessa maneira. Isso mostra, infelizmente, o poderio do crime organizado, a falta de controle que o crime organizado tem dentro do Brasil, dentro do estado de São Paulo. É uma ação extremamente ousada", disse Rafael Alcadipani, professor da Faculdade Getulio Vargas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Formado em direito pela Faculdade de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, Ruy se tornou delegado depois e começou a investigar o PCC no início dos anos 2000.
Quando esteve no Deic, participou das prisões de alguns dos chefes da facção, incluindo Marcola, por tráfico de drogas, formação de quadrilha e outros crimes relacionados ao grupo criminoso.
Em 2006, ele e sua equipe de policiais indiciaram Marcola e a cúpula do Primeiro Comando da Capital.
Segundo Christino, ele, Ruy e todas as autoridades, sejam elas do MP ou da polícia que atuaram no combate à facção, já foram ameaçadas antes pelo PCC. "Ele [Ruy], eu e todos que trabalharam naqueles casos, inclusive nos ataques de 2006."
Em 2006, ordens do PCC de dentro das cadeias determinaram uma série de ataques contra agentes de segurança pública devido à decisão do governo paulista de transferir as lideranças da facção, incluindo Marcola, para o presídio de segurança máxima de Presidente Venceslau, no interior do estado.
Infográfico: criminosos fazem tocaia antes de iniciar ataque e perseguição ao delegado
Arte/g1